Por Frank Fortes
Eu era ainda um garoto. Tinha lá meus
seis/sete anos. Família recém-chegada do interior e que buscava o mínimo de
estabilidade para se manter na cidade grande.
Morava em uma casa de madeira na Rua
Carlos Gonçalves, em Santo André. Era a única de madeira naquela rua. Tinha
três cômodos que dividíamos entre cozinha, sala e quarto.
Do lado de fora um banheiro, já em
alvenaria, um poço artesiano e um pomar. Sim, um pomar. Algumas ameixeiras, um limoeiro,
flores e hortaliças compondo o meu terreiro.
Bem ao lado vivia Dona Aparecida.
Tinha enviuvado pouco tempo atrás e, na sua solidão, compartilhava bondade com
o garotinho do interior e sua família. Minha mãe e irmãs viviam por ali.
Levavam diariamente um pouco de alegria e amizade.
A mim ela abraçou como se fosse uma
vovó. E a família dela também. Seu neto, de nome Mauro, adorava futebol.
Frequentava o clube Primeiro de Maio, treinava por lá e tinha aptidão para
esportes. Quando visitava a avó me ensinava “técnicas” de futebol. Como o
goleiro deveria se posicionar para fazer uma defesa, organizar uma barreira,
sair com os pés.
Do garoto Mauro aproveitava também as
roupas que já lhe grudavam no corpo. E assim também ganhei minhas primeiras
camisas de futebol.
Certo dia Dona Aparecida me chamou:
“menino, olha aqui o que o Mauro deixou pra você. Vê se serve”. Era uma camisa
vermelha com golas verdes e uma cruz do lado esquerdo.
Com olhos brilhando peguei meu
presente e corri para casa. “Mãe, mãe... olha a camisa que o Mauro me deu. De
qual time é?”, perguntei curioso. “Não sei não moleque. Deve ser do Santa
Cruz”, respondeu ela. Certamente para se livrar da insistência que viria a
partir de um “não sei”.
Pronto, eu tinha uma camisa do Santa
Cruz. Presente do Mauro da Dona Aparecida. Estava feliz. Me afeiçoei. Saía para
a rua estufando o peito. Queria exibir minha linda camisa vermelha.
Numa terça-feira qualquer decidi
mostrar aquele manto na feira livre que ocorria, e continua até hoje, lá,
semanalmente. Passei por uma banca, sorri. Passei por outra, sinal de positivo.
E continuei desfilando com minha
camisa predileta. Eu já tinha meu time de coração. Mas aquela camisa... Ah,
como ela me encantava.
Passei por mais uma barraca, dei
sinal e o português me grita: “olha aí o pequeno lusitano”. “O que você
falou?”, retruquei. “És um pequeno lusitano. Estás com a camisa da Portuguesa”.
“Não, essa camisa é do Santa Cruz”, já rebati meio revoltado.
O portuga caiu na gargalhada e com
paciência me explicou que aquela camisa de vermelho intenso e com uma cruz
verde no peito era, na realidade, da Associação Portuguesa de Desportos.
Não comprei nada na barraca do
português, mas foi ele que me apresentou a Lusa. De lá pra cá acompanho, sempre
com carinho especial, os caminhos da Portuguesa. Virei fã de Enéas, Dener, Zé
Roberto, Zé Maria, Dida, César, Capitão, Gallo, Rodrigo Fabri, Taborda e
Bolivar.
Mas nunca poderia imaginar que, no
aniversário de 98 anos do clube estaria aqui lamentando seu quase fim. Como
membro da família Oliveira me sinto diretamente atingido pelo destino que
impuseram ao clube.
Não sou torcedor, nem conselheiro ou
sequer sócio. Mas quem gosta de futebol, quem conhece só um pouquinho da
história do futebol, adora e respeita a Portuguesa.
Agradeço ao português da banca da
feira livre lá da Carlos Gonçalves por me explicar o que era a Portuguesa.
Obrigado Mauro por me considerar digno de ser presenteado com a sua camisa da
Lusa. Meus respeitos Dona Aparecida por me acolher em sua casa como se fosse
mais um dos seus netos.
Dona Aparecida nos deixou alguns anos
depois e, infelizmente, não sei por andam o Mauro e sua família. Não sei se
ainda frequentam o Primeiro de Maio e seu o meu amigo ainda arrisca uma pelada
semanalmente.
Muito menos sei o que aconteceu com
você Portuguesa. Mas espero te reencontrar um dia. Firme e com saúde.
Texto retirado do Portal BOL.
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